3.518, De 20.6.2000

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Presidência da
RepúblicaSubchefia para Assuntos
Jurídicos
DECRETO No 3.518, DE 20 DE JUNHO DE
2000.
Regulamenta o Programa Federal
de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pelo
art. 12 da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999,
e dispõe sobre a atuação da Polícia Federal nas hipóteses previstas
nos arts. 2o, § 2o,
4o, § 2o, 5o,
§ 3o, e 15 da referida Lei.
        O PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art.
84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na
Lei no 9.807,
de 13 de julho de 1999, em especial seu art. 12,
        D E C R E T A:
CAPÍTULO I
Do Programa Federal de
Assistência a Vítimas
e a Testemunhas
Ameaçadas
       
Art. 1o  O Programa Federal de Assistência a
Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pelo art. 12 da Lei
no 9.807, de 13 de julho de 1999, no âmbito da
Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça,
consiste no conjunto de medidas adotadas pela União com o fim de
proporcionar proteção e assistência a pessoas ameaçadas ou coagidas
em virtude de colaborarem com a investigação ou o processo
criminal.
        Parágrafo único.  As
medidas do Programa, aplicadas isolada ou cumulativamente,
objetivam garantir a integridade física e psicológica das pessoas a
que se refere o caput deste artigo e a cooperação com o
sistema de justiça, valorizando a segurança e o bem-estar dos
beneficiários, e consistem, dentre outras, em:
        I - segurança nos
deslocamentos;
        II - transferência de
residência ou acomodação provisória em local sigiloso, compatível
com a proteção;
        III - preservação da
identidade, imagens e dados pessoais;
        IV - ajuda financeira
mensal;
        V - suspensão
temporária das atividades funcionais;
        VI - assistência
social, médica e psicológica;
        VII - apoio para o
cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam
comparecimento pessoal; e
        VIII - alteração de
nome completo, em casos excepcionais.
       
Art. 2o  Integram o Programa:
        I - o Conselho
Deliberativo Federal;
        II - o Órgão Executor
Federal; e
        III - a Rede
Voluntária de Proteção.
       
Art. 3o  Podem ser admitidas no Programa as
pessoas que, sendo vítimas ou testemunhas de crime, sofram     
ameaça ou coação, em virtude de colaborarem com a produção da
prova, desde que aceitem e cumpram as normas de conduta
estabelecidas em termo de compromisso firmado no momento de sua
inclusão.
       
§ 1o  O cônjuge, companheiro ou companheira,
ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência
habitual com a vítima ou testemunha podem, conforme a gravidade do
caso, ser admitidos no Programa, sujeitando-se às mesmas condições
estabelecidas no caput deste artigo.
       
§ 2o  A admissão no Programa será precedida de
avaliação da gravidade da coação ou ameaça à integridade física ou
psicológica da pessoa, a dificuldade de preveni-las ou reprimi-las
pelos meios convencionais e a sua importância para a produção da
prova.
       
§ 3o  O descumprimento das normas estabelecidas
no termo de compromisso constitui conduta incompatível do
protegido, acarretando sua exclusão do Programa.
       
Art. 4o  Não podem ser admitidas no Programa as
pessoas cuja personalidade ou conduta sejam incompatíveis com as
restrições de comportamento necessárias à proteção, os condenados
que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão
cautelar em qualquer de suas modalidades.
        Parágrafo único.  O
cônjuge, companheiro ou companheira, ascendentes, descendentes e
dependentes que tenham convivência habitual com as pessoas a que se
refere o caput deste artigo, que estejam coagidos ou
expostos a ameaça, podem ser admitidos no Programa, sujeitando-se
às mesmas condições estabelecidas no caput do artigo
anterior.
       
Art. 5o  Poderão solicitar a admissão no
Programa:
        I - o próprio
interessado ou seu representante legal;
        II - o representante
do Ministério Público;
        III - a autoridade
policial que conduz a investigação criminal;
        IV - o juiz
competente para a instrução do processo criminal; e
        V - os órgãos
públicos e as entidades com atribuições de defesa dos direitos
humanos.
        Parágrafo único.  Os
pedidos de admissão no Programa devem ser encaminhados ao Órgão
Executor, devidamente instruídos com:
        I - qualificação da
pessoa cuja proteção se pleiteia;
        II - breve relato da
situação motivadora da ameaça ou coação;
        III - descrição da
ameaça ou coação sofridas;
        IV - informações
sobre antecedentes criminais e vida pregressa da pessoa cuja
proteção se pleiteia; e
        V - informação sobre
eventuais inquéritos ou processos judiciais em curso, em que figure
a pessoa cuja proteção se pleiteia.
       
§  1o  O Ministério Público manifestar-se-á sobre
todos os pedidos de admissão, antes de serem submetidos à
apreciação do Conselho.
       
§ 2o  O Conselho poderá solicitar informações
adicionais dos órgãos de segurança pública.
       
§ 3o  Se a decisão do Conselho for favorável à
admissão, o Órgão Executor providenciará a inclusão do beneficiário
na Rede Voluntária de Proteção.
Seção
I
Do Conselho
Deliberativo Federal
       
Art. 6o  Ao Conselho Deliberativo Federal,
instância de direção superior, compete:
        I - decidir sobre os
pedidos de admissão e exclusão do Programa;
        II - solicitar às
autoridades competentes medidas de proteção;
        III - solicitar ao
Ministério Público as providências necessárias à obtenção de
medidas judiciais acautelatórias;
        IV - encaminhar as
pessoas que devem ser atendidas pelo Serviço de Proteção ao
Depoente Especial, de que trata o Capítulo II deste
Decreto;
        V - adotar as
providências necessárias para a obtenção judicial de alteração da
identidade civil;
        VI - fixar o valor
máximo da ajuda financeira mensal aos beneficiários da proteção;
e
        VII - deliberar sobre
questões relativas ao funcionamento e aprimoramento do
Programa.
       
§ 1o  As decisões do Conselho são tomadas pela
maioria dos votos de seus membros.
       
§ 2o  O Presidente do Conselho, designado pelo
Ministro de Estado da Justiça dentre seus membros, pode decidir, em
caráter provisório, diante de situações emergenciais e na
impossibilidade de imediata convocação de reunião do Colegiado,
sobre a admissão e a adoção de medidas assecuratórias da
integridade física e psicológica da pessoa ameaçada.
       
Art. 7o  O Conselho é composto pelos seguintes
membros, designados pelo Ministro de Estado da Justiça:
        I - um representante
da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos;
        II - um representante
da Secretaria Nacional de Segurança Pública;
        III - um
representante da Secretaria Nacional de Justiça;
        IV - um representante
do Departamento de Polícia Federal;
        V - um representante
do Ministério Público Federal;
        VI - um representante
do Poder Judiciário Federal, indicado pelo Superior Tribunal de
Justiça; e
        VII - um
representante de entidade não-governamental com atuação na proteção
de vítimas e testemunhas ameaçadas, indicado pelo Secretário de
Estado dos Direitos Humanos.
        Parágrafo único.  Os
membros do Conselho têm mandato de dois anos, sendo permitida a
recondução.
Seção
II
Do Órgão
Executor Federal
       
Art. 8o  Compete ao Órgão Executor Federal adotar
as providências necessárias à aplicação das medidas do Programa,
com vistas a garantir a integridade física e psicológica das
pessoas ameaçadas, fornecer subsídios ao Conselho e possibilitar o
cumprimento de suas decisões, cabendo-lhe, para tanto:
        I - elaborar
relatório sobre o fato que originou o pedido de admissão no
Programa e a situação das pessoas que buscam proteção, propiciando
elementos para a análise e deliberação do Conselho;
        II - promover
acompanhamento jurídico e assistência social e psicológica às
pessoas protegidas;
        III - providenciar
apoio para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que
exijam o comparecimento pessoal dos indivíduos admitidos no
Programa;
        IV - formar e
capacitar equipe técnica para a realização das tarefas
desenvolvidas no Programa;
        V - requerer ao
Serviço de Proteção ao Depoente Especial a custódia policial,
provisória, das pessoas ameaçadas, até a deliberação do Conselho
sobre a admissão no Programa, ou enquanto persistir o risco pessoal
e o interesse na produção da prova, nos casos de exclusão do
Programa;
        VI - promover o
traslado dos admitidos no Programa;
        VII - formar a Rede
Voluntária de Proteção;
        VIII - confeccionar o
Manual de Procedimentos do Programa;
        IX - adotar
procedimentos para a preservação da identidade, imagem e dados
pessoais dos protegidos e dos protetores;
        X - garantir a
manutenção de arquivos e bancos de dados com informações
sigilosas;
        XI - notificar as
autoridades competentes sobre a admissão e a exclusão de pessoas do
Programa; e
        XII - promover
intercâmbio com os Estados e o Distrito Federal acerca de programas
de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas.
        Parágrafo único.  As
atribuições de Órgão Executor serão exercidas pela Secretaria de
Estado dos Direitos Humanos.
Seção
III
Da Rede
Voluntária de Proteção
       
Art. 9o  A Rede Voluntária de Proteção é o
conjunto de associações civis, entidades e demais organizações
não-governamentais que se dispõem a receber, sem auferir lucros ou
benefícios, os admitidos no Programa, proporcionando-lhes moradia e
oportunidades de inserção social em local diverso de sua
residência.
        Parágrafo
único.  Integram a Rede Voluntária de Proteção as organizações sem
fins lucrativos que gozem de reconhecida atuação na área de
assistência e desenvolvimento social, na defesa de direitos humanos
ou na promoção da segurança pública e que tenham firmado com o
Órgão Executor ou com entidade com ele conveniada termo de
compromisso para o cumprimento dos procedimentos e das normas
estabelecidos no Programa.
CAPÍTULO II
Do Serviço de Proteção ao
Depoente Especial
        Art. 10.  Entende-se
por depoente especial:
        I - o réu detido ou
preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão
cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em
inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e
voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que
dessa colaboração possa resultar a identificação de autores,
co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima
com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto
do crime; e
        II - a pessoa que,
não admitida ou excluída do Programa, corra risco pessoal e
colabore na produção da prova.
        Art. 11.  O Serviço
de Proteção ao Depoente Especial consiste na prestação de medidas
de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do
depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativamente, consoante
as especificidades de cada situação, compreendendo, dentre
outras:
        I - segurança na
residência, incluindo o controle de telecomunicações;
        II - escolta e
segurança ostensiva nos deslocamentos da residência, inclusive para
fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos;
        III - transferência
de residência ou acomodação provisória em local compatível com a
proteção;
        IV - sigilo em
relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida;
e
        V - medidas especiais
de segurança e proteção da integridade física, inclusive
dependência separada dos demais presos, na hipótese de o depoente
especial encontrar-se sob prisão temporária, preventiva ou
decorrente de flagrante delito.
       
§ 1o  A escolta de beneficiários do Programa,
sempre que houver necessidade de seu deslocamento para prestar
depoimento ou participar de ato relacionado a investigação,
inquérito ou processo criminal, será efetuada pelo Serviço de
Proteção.
       
§ 2o  Cabe ao Departamento de Polícia Federal, do
Ministério da Justiça, o planejamento e a execução do Serviço de
Proteção, para tanto podendo celebrar convênios, acordos, ajustes e
termos de parceria com órgãos da Administração Pública e entidades
não-governamentais.
        Art. 12.  O
encaminhamento das pessoas que devem ser atendidas pelo Serviço de
Proteção será efetuado pelo Conselho e pelo Ministro de Estado da
Justiça.
        Parágrafo único.  O
atendimento pode ser dirigido ou estendido ao cônjuge ou
companheiro, descendente ou ascendente e dependentes que tenham
convivência habitual com o depoente especial, conforme o
especificamente necessário em cada caso.
        Art. 13.  A exclusão
da pessoa atendida pelo Serviço de Proteção poderá ocorrer a
qualquer tempo:
        I - mediante sua
solicitação expressa ou de seu representante legal;
        II - por decisão da
autoridade policial responsável pelo Serviço de Proteção;
ou
        III - por deliberação
do Conselho.
        Parágrafo
único.  Será lavrado termo de exclusão, nele constando a ciência do
excluído e os motivos do ato.
        Art. 14.  Compete ao
Serviço de Proteção acompanhar a investigação, o inquérito ou
processo criminal, receber intimações endereçadas ao depoente
especial ou a quem se encontre sob sua proteção, bem como
providenciar seu comparecimento, adotando as medidas necessárias à
sua segurança.
CAPÍTULO III
Do Sigilo e da Segurança da
Proteção
        Art. 15.  O Conselho,
o Órgão Executor, o Serviço de Proteção e demais órgãos e entidades
envolvidos nas atividades de assistência e proteção aos admitidos
no Programa devem agir de modo a preservar a segurança e a
privacidade dos indivíduos protegidos.
        Parágrafo
único.  Serão utilizados mecanismos que garantam a segurança e o
sigilo das comunicações decorrentes das atividades de assistência e
proteção.
        Art. 16.  Os
deslocamentos de pessoas protegidas para o cumprimento de atos
decorrentes da investigação ou do processo criminal, assim como
para compromissos que impliquem exposição pública, são precedidos
das providências necessárias à proteção, incluindo, conforme o
caso, escolta policial, uso de colete à prova de balas, disfarces e
outros artifícios capazes de dificultar sua
identificação.
        Art. 17.  A gestão de
dados pessoais sigilosos deve observar, no que couber, as medidas
de salvaguarda estabelecidas pelo Decreto no
2.910, de 29 de dezembro de 1998.
       
§ 1o  O tratamento dos dados a que se refere este
artigo deve ser processado por funcionários previamente cadastrados
e seu uso, autorizado pela autoridade competente, no objetivo de
assegurar os direitos e as garantias fundamentais do
protegido.
       
§ 2o  Os responsáveis pelo tratamento dos dados
pessoais dos indivíduos protegidos, assim como as pessoas que, no
exercício de suas funções, tenham conhecimento dos referidos dados,
estão obrigados a manter sigilo profissional sobre eles, inclusive
após o seu desligamento dessas funções.
       
§ 3o  Os responsáveis por tratamento de dados a
que se refere este artigo devem aplicar as medidas técnicas e de
organização adequadas para a proteção desses dados contra a
destruição, acidental ou ilícita, perda, alteração, divulgação ou
acesso não autorizado.
CAPÍTULO IV
DAS Disposições
Gerais
        Art. 18.  Os
servidores públicos, profissionais contratados e voluntários que,
de algum modo, desempenhem funções relacionadas ao Programa ou ao
Serviço de Proteção devem ser periodicamente capacitados e
informados acerca das suas normas e dos seus
procedimentos.
        Art. 19.  Os
beneficiários do Programa devem ter prioridade no acesso a
programas governamentais, considerando a especificidade de sua
situação.
        Art. 20.  As despesas
decorrentes da aplicação da Lei no 9.807, de
1999, obedecem a regime especial de execução e são consideradas de
natureza sigilosa, sujeitando-se ao exame dos órgãos de controle
interno e externo, na forma estabelecida pela legislação que rege a
matéria.
        Art. 21.  Para a
aplicação deste Decreto, a Secretaria de Estado dos Direitos
Humanos poderá celebrar convênios, acordos, ajustes e termos de
parceria com Estados, Distrito Federal, Municípios, órgãos da
Administração Pública e entidades não-governamentais, cabendo-lhe a
supervisão e fiscalização desses instrumentos.
        Art. 22.  O Ministro
de Estado da Justiça poderá baixar instruções para a execução deste
Decreto.
        Art. 23.  Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 20 de junho de
2000; 179o da Independência e
112o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Gregori
Publicado no D.O. de
21.6.2000