879, De 22.7.93

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Presidência da
República
Casa CivilSubchefia para Assuntos
Jurídicos
DECRETO No 879, DE 22 DE JULHO DE
1993.
Regulamenta a Lei n° 8.489, de 18 de
novembro de 1992, que dispõe sobre a retirada e o transplante de
tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos,
científicos e humanitários.
    O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 14
da Lei n° 8.489, de 18 de novembro de 1992,
    DECRETA:
    Art. 1° A disposição gratuita, a
retirada e o transplante de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano, vivo ou morto, com fins terapêuticos, humanitários e
científicos obedecerá ao disposto na Lei n° 8.489, de 18 de
novembro de 1992, e neste Decreto.
    § 1° A disposição gratuita, a
retirada e o transplante de tecidos, ou partes do corpo humano vivo
será admitida apenas para fins terapêuticos e humanitários.
    § 2° Para os efeitos deste
Decreto, o sangue, o esperma e o óvulo não estão compreendidos
entre os tecidos a que se refere o caput deste artigo.
    Art. 2° Os tecidos, órgãos e
partes do corpo humano são insusceptíveis de comercialização.
    Art. 3° para os efeitos deste
Decreto, considera-se:
    I - doador - a pessoa maior e
capaz, apta a fazer doação em vida, ou post mortem de
tecido, órgão ou parte do seu corpo, com fins terapêuticos e
humanitários;
    II - receptor - pessoa em
condições de receber, por transplante, tecidos, órgãos ou partes do
corpo de outra pessoa viva ou morta, e que apresente perspectivas
fundadas de prolongamento de vida ou melhoria de saúde;
    III - transplante - ato médico
que transfere para o corpo do receptor tecido, órgão ou parte do
corpo humano, para os fins previsto no art. 1°;
    IV - autotransplante -
transferência de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de um
lugar para outro do corpo do mesmo indivíduo;
    V - morte encefálica - a morte
definida, como tal, pelo Conselho Federal de Medicina e atestada
por médico.
    Parágrafo único. A definição de
morte encefálica, a que se refere o inciso V deste artigo, não
exclui os outros conceitos de condições de morte.
    Art. 4° O transplante somente
será realizado se não existir outro meio de prolongamento ou
melhora da qualidade de vida ou melhora da saúde do indivíduo
enfermo e se houver conhecimento consolidado na medicina que admita
algum êxito na operação, ficando vedada a tentativa de
experimentação no ser humano.
    Parágrafo único. O transplante
de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano somente será realizado
por médico com capacidade técnica comprovada, em instituições
públicas ou privadas reconhecidamente idôneas e devidamente
cadastradas, para esse fim, no Ministério da Saúde, observado o
disposto no art. 26.
    Art. 5º 0 autotransplante
depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, ou, se este
for civilmente incapaz, do seu representante legal.
    Art. 6º Para realização de
transplante serão utilizados, preferentemente, tecidos órgãos ou
partes de cadáveres.
    Art. 7º Somente será admitida a
utilização de tecidos, órgãos ou parte do corpo humano se existir
desejo expresso do doador manifestado em vida, mediante documento
pessoal ou oficial nos termos do art. 3º, inciso I; da Lei nº
8.489, de 1992, e deste Decreto.
    Parágrafo único. Na falta dos
documentos indicados no caput deste artigo a retirada de
tecidos, órgãos ou partes do corpo humano somente será realizada se
não houver manifestação em contrário por parte do cônjuge,
ascendente ou descendente, observado o disposto no § 6° do art.
31.
    Art. 8º A retirada de tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano será precedida de diagnóstico e
comprovação da morte, atestada por médico nos termos da Lei de
Registros Públicos.
    § 1º 0 diagnóstico e a
comprovação da morte não deverão guardar qualquer relação com a
possibilidade de utilização de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano para transplante.
    § 2º 0 médico que atestar a
morte do indivíduo não poderá ser o mesmo a realizar o transplante,
nem fazer parte da equipe médica responsável pelo transplante.
    § 3º Será admitida a presença de
médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e
atestação da morte encefálica.
    Art. 9° A utilização de tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano para fins científicos somente será
permitida depois de esgotadas as possibilidades de sua utilização
em transplantes.
    Art. 10. A retirada de tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano, sujeito, por força de lei, à
necrópsia, ou à verificação de diagnóstico da causa mortis,
será autorizada por médico-legista e citada no relatório da
necrópsia ou da verificação diagnóstica.
    § 1° A comunicação da morte ao
órgão de medicina legal ou ao médico-legista, ocorrida nas
circunstâncias prevista no caput deste artigo, será feita
pela direção do hospital onde a morte ocorreu.
    § 2° O relatório circunstanciado
que obrigatoriamente acompanhará o cadáver, deverá descrever o
exame físico de admissão, o tratamento clínico ou cirúrgico
realizado e quando se tratar de morte encefálica, os critérios que
a definiram.
    § 3° É vedado à equipe médica
responsável pela retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo a
realização de atos médicos que possam prejudicar o diagnóstico da
causa mortis pelo médico-legista.
    § 4° A equipe médica de que
trata o parágrafo anterior elaborará relatório circunstanciado
descrevendo os procedimentos realizados, que será encaminhado ao
órgão de medicina legal ou ao médico-legista, juntamente com o
cadáver.
    Art. 11. Após a retirada de
tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, o cadáver será
condignamente recomposto e entregue aos responsáveis pelo
sepultamento ou necrópsia legalmente obrigatória.
    Art. 12. É permitido à pessoa
maior e capaz, dispor, gratuitamente, de tecidos, órgãos ou partes
do próprio corpo vivo para fins humanitários, e terapêuticos.
    § 1° A permissão prevista neste
artigo limitar-se-á à doação entre avós, netos, pais, filhos,
irmãos, tios, sobrinhos, primos até segundo grau inclusive, e entre
cônjuges.
    § 2° A doação entre pessoas não
relacionadas no § 1° somente poderá ser realizada após autorização
judicial.
    § 3º A doação referida ao
caput deste artigo somente será permitida quando se tratar
de órgãos duplos, parte de órgãos, tecidos, vísceras ou partes do
corpo que não impeçam os organismos do doador de continuar vivendo
sem risco para a sua integridade ou grave comprometimento de suas
aptidões vitais, nem possa produzir-lhe mutilação ou deformação
inaceitável ou, ainda, causar qualquer prejuízo à sua saúde mental,
e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente
indispensável ao receptor.
    § 4º O indivíduo menor, irmão ou
não de outro com compatibilidade imunológica comprovada, poderá
fazer doação para receptor enumerado no § 1°, nos casos de
transplante de medula óssea, desde que haja consentimento dos seus
pais e autorização judicial e não exista risco para a sua
saúde.
    § 5° É vedado à gestante dispor
de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se
tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de
medula óssea e o ato médico não oferecer nenhum risco à gestante e
ao feto.
    Art. 13. A retirada de tecidos,
órgãos ou partes do corpo humano, em vida, somente será realizada
se, além de o doador gozar de boa saúde, existir
histocompatibilidade sangüínea e imunológica comprovada entre ele e
o receptor.
    § 1° O doador será prévia e
obrigatoriamente esclarecido sobre as conseqüências e riscos
possíveis da extração de tecidos, órgãos ou partes do seu corpo. O
esclarecimento deverá ser verbal e por escrito, cumprindo ao doador
manifestar expressamente o seu assentimento.
    § 2° Os esclarecimentos verbal e
escrito ao doador abrangerão todas as circunstâncias relacionadas
com a extração de tecidos, órgãos ou partes do seu corpo, e dos
riscos, físicos e psicológicos, que a intervenção envolve.
    Art. 14. O doador assinará
documento especificando os tecidos, órgãos ou partes do corpo que
doa e afirmando estar ciente, diante dos esclarecimentos que lhe
foram prestados na forma dos §§ 1° e 2° do art. 13, de todos os
fatos e riscos inerentes à intervenção, ou dela decorrentes.
    § 1° O documento de doação, bem
como o documento com os esclarecimentos referidos nos §§ 1° e 2° do
art. 13, ficarão arquivados no prontuário médico do hospital
responsável pela retirada dos tecidos, órgãos, ou partes do corpo,
entregando-se uma cópia ao doador.
    § 2° Quando se tratar de doação
por autorização judicial, ficará arquivada no prontuário médico do
hospital uma cópia da sentença do juiz, juntamente com os
documentos mencionados no § 1° deste artigo.
    Art. 15. A decisão do doador não
poderá sofrer influência que lhe vicie o consentimento, sendo-lhe
facultado revogar o consentimento dado, até a extração dos órgãos,
tecidos ou partes do seu corpo, sem necessidade de justificar ou
explicar suas razões.
    Art. 16. Na doação em vida, o
hospital e a central de notificação respeitarão o anonimato do
ato.
    Art. 17. A pessoa maior e capaz
poderá inscrever-se na Central de Notificação da Secretaria de
Saúde como doador post mortem ou como doador em vida, indicando
especificamente os tecidos, órgãos ou partes do seu corpo que
pretende doar.
    Art. 18. Respeitado o sentido
humanitário do ato, a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo
por pessoas não relacionadas no § 1° do art. 12 poderá ser
autorizada judicialmente, e será precedida de:
    I - constatação da sanidade
mental do doador;
    II - inexistência de qualquer
tipo de retribuição, seja monetária, material ou de outra
espécie;
    III - inexistência de
coação;
    IV - respeito ao anonimato do
doador e do receptor;
    V - termo de doação.
    Parágrafo único. Nos casos de
autorização judicial para doação, o doador fica subordinado às
exigências deste Decreto para efeito de retirada de tecidos, órgãos
ou partes doadas do seu corpo.
    Art. 19. Comprovada a morte
encefálica, nos termos do art. 3°, inciso V, é obrigatória a sua
notificação, em caráter de urgência.
    § 1° A notificação é obrigatória
para o hospital público e para o hospital privado.
    § 2° A notificação será efetuada
à Central de Notificação da Secretaria de Estado da Saúde, pela
direção do hospital onde a morte encefálica ocorreu, imediatamente
à sua constatação.
    Art. 20. Serão, também, objeto
de notificação à Central de Notificação da Secretaria:
    I - a existência de
paciente-receptor com enfermidade ensejadora de transplante;
    II - o óbito de indivíduo que
preencha os requisitos fixados no art. 7°;
    III - a doação em vida de
tecidos, órgãos ou partes do corpo.
    § 1° No tocante à pessoa
enferma, a direção do hospital mencionará na notificação,
imediatamente à indicação do transplante, os dados do paciente,
definidos pelo Ministério da Saúde para compor o cadastro técnico
da Central de Notificação.
    § 2° A notificação mencionada
neste artigo é obrigatória para o hospital público e para o
hospital privado.
    Art. 21. A direção do hospital,
por ocasião da notificação da morte, informará à Central de
Notificação da Secretaria de Saúde do Estado se existe documento em
vida quanto à doação ou se, na sua ausência, não há objeção do
cônjuge, ascendente ou descendente quanto à retirada de tecido,
órgão ou parte do corpo ou falecido para fins de transplante, nos
termos do § 6° do art. 31.
    Art. 22. Depois da notificação
da existência de tecidos, órgãos ou partes do corpo disponível para
transplante, observados os critérios do cadastro técnico (ordem
cronológica de inscrição associada, quando necessário à verificação
da compatibilidade sangüínea e imunológica e a gravidade da
enfermidade), a Central de Notificação da Secretaria de Saúde do
Estado selecionará mais de um indivíduo receptor, até o máximo de
dez, e os encaminhará ao hospital responsável pela realização do
transplante.
    § 1° O hospital, observados
outros critérios médicos, determinará o paciente que será o
receptor do tecido, órgão ou parte do corpo.
    § 2° O disposto neste artigo não
se aplica à doação em vida entre as pessoas indicadas no § 1° do
art. 12 e àquelas que a autorização judicial defina quem é o
indivíduo receptor.
    Art. 23. As despesas
hospitalares para a retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano serão remuneradas pelos órgãos gestores do Sistema Único de
Saúde, de acordo com a tabela de remuneração de procedimentos de
assistência à saúde, ainda que o hospital não mantenha convênio ou
contrato com o Poder Público.
    Art. 24. Quando o tecido, órgão
ou parte do corpo humano encontrar-se em hospital privado que
embora cadastrado no Ministério da Saúde como habilitado para
realização de transplante, não integre o Sistema Único de Saúde, a
Central de Notificação providenciará para que a realização do
transplante se dê em hospital público ou integrante do Sistema
Único de Saúde, se o receptor não for paciente do hospital
privado.
    Art. 25. Os hospitais públicos e
privados somente serão considerados aptos a realizar transplantes,
na forma deste Decreto, se estiverem cadastrados em órgãos do
Sistema Único de Saúde indicados pelo Ministério da Saúde.
    Art. 26. O Ministério da Saúde
expedirá normas sobre:
    I - as exigências e o cadastro
em órgão do Sistema Único de Saúde de hospital habilitado a
realizar transplantes;
    II - as exigências e o cadastro
em órgão do Sistema Único de Saúde de laboratório habilitado a
realizar exames de compatibilidade sangüínea e imunológica;
    III - os requisitos para a
comprovação da capacidade técnica do médico mencionada no parágrafo
único do art. 4°.
    IV - a organização das Centrais
de Notificação das Secretarias de Saúde dos Estados.
    Art. 27. Os hospitais manterão
prontuários médicos detalhando os atos cirúrgicos relativos aos
transplantes, que serão mantidos nos arquivos das instituições
cadastradas no órgão do Sistema Único de Saúde.
    Parágrafo único. Anualmente, as
instituições hospitalares encaminharão ao Ministério da Saúde e à
Central de Notificação das Secretarias de Saúde do respectivo
Estado relatório contendo os nomes dos pacientes, o transplante
realizado, a condição do doador e o estado de saúde do receptor, a
fim de compor o Sistema Nacional de Informações em Saúde.
    Art. 28. As entidades públicas e
as entidades privadas de pesquisa, bem como as instituições de
ensino da área biomédica serão autorizadas a dispor, para fins de
pesquisa científica, de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano
que não forem utilizados para transplantes em seres humanos, tendo
preferência os órgãos e entidades públicas.
    Art. 29. A utilização de cadáver
não reclamado para fins de estudos e pesquisas obedecerá ao
disposto na Lei n° 8.501, de 30 de novembro de 1992.
    Art. 30. No âmbito do Sistema
Único de Saúde funcionarão, vinculados às Centrais de Notificação
das Secretarias de Estado da Saúde, bancos de olhos, de ossos e de
medula, bem como outros bancos de tecidos, órgãos ou partes do
corpo humano.
    Art. 31. O Ministério da Saúde
providenciará modelo simplificado e padronizado de documento de
doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano que será
reproduzido e distribuído, gratuitamente, à população, por
intermédio dos órgãos gestores do Sistema Único de Saúde e outros
por eles autorizados.
    § 1° O documento padronizado não
retira a validade de documento fora do padrão fixado pelo
Ministério da Saúde, no qual esteja expressa a disposição de doar
tecido, órgão ou parte do corpo, com a identificação do doador,
desde que o documento contenha a assinatura do doador.
    § 2° A direção do hospital
conferirá a assinatura constante do documento fora do padrão
oficial, ou do documento padronizado, com a assinatura existente em
qualquer documento oficial de identidade do doador falecido.
    § 3° Não sendo possível a
conferência de assinaturas, o dirigente do hospital solicitará ao
cônjuge, ascendente ou descendente que ateste como legítimo aquele
documento, mediante declaração escrita e assinada.
    § 4° A direção do hospital
anexará ao prontuário do paciente-receptor o documento mencionado
neste artigo.
    § 5° Sendo analfabeto o doador e
os membros de sua família, as assinaturas serão substituídas pelas
impressões digitais na presença de duas testemunhas
alfabetizadas.
    § 6° Se os tecidos, órgãos ou
partes do corpo forem utilizados para fins científicos, o documento
referido neste artigo ficará arquivado no hospital onde ocorreu o
falecimento do doador, devendo uma cópia ser encaminhada à
instituição de pesquisa.
    § 7º Se o cônjuge, ascendente ou
descendente não se opuser à retirada do tecido, órgão ou parte do
corpo do seu familiar, e não houver manifestação de vontade, em
vida, do falecido, contrária àquela utilização, o dirigente do
hospital exigirá dos familiares documento escrito e assinado com a
autorização.
    Art. 32. O Ministério da Saúde,
no prazo de trinta dias da publicação deste Decreto, expedirá
instruções para a organização da Central de Notificação e demais
atos necessários à execução do presente Decreto.
    Art. 33. Este Decreto entra em
vigor na data de sua publicação.
    Brasília, 22 de julho de 1993;
172° da Independência e 105º da República.
ITAMAR FRANCOJamil
Haddad
Este texto não substitui o publicado no
D.O.U. de 23.7.1993 Retificado no DOU
de 17.8.1993