4.887, De 20.11.2003

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Presidência da
República
Casa CivilSubchefia para Assuntos
Jurídicos
DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE
2003.
Regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
        O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,
incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição e de acordo com o
disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias,
       
DECRETA:
       
Art. 1o  Os procedimentos administrativos para a
identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a
titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o
art.
68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão
procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.
       
Art. 2o  Consideram-se remanescentes das
comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos
étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais
específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com
a resistência à opressão histórica sofrida.
        § 1o  Para
os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das
comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da
própria comunidade.
        § 2o  São
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as
utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social,
econômica e cultural.
        § 3o  Para
a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração
critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada
apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.
       
Art. 3o  Compete ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
        § 1o  O
INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação
das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos
quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.
        § 2o  Para
os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios,
contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da
administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito
Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas,
observada a legislação pertinente.
        § 3o  O
procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou
por requerimento de qualquer interessado.
        § 4o  A
autodefinição de que trata o § 1o do art.
2o deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral
junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão
respectiva na forma do regulamento.
       
Art. 4o  Compete à Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da
República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento
Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para
garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das
comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente
fixada.
       
Art. 5o  Compete ao Ministério da Cultura, por
meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e acompanhar o
Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de
regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade
cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como
para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao
procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste
Decreto.
       
Art. 6o  Fica assegurada aos remanescentes das
comunidades dos quilombos a participação em todas as fases do
procedimento administrativo, diretamente ou por meio de
representantes por eles indicados.
        Art. 7o  O
INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação,
delimitação e levantamento ocupacional e cartorial, publicará
edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no
Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob
estudo, contendo as seguintes informações:
        I - denominação do imóvel
ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;
        II - circunscrição
judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;
        III - limites, confrontações
e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem
tituladas; e
        IV - títulos, registros e
matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas
suscetíveis de reconhecimento e demarcação.
        § 1o  A
publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal
onde está situado o imóvel.
        § 2o  O
INCRA notificará os ocupantes e os confinantes da área
delimitada.
       
Art. 8o  Após os trabalhos de identificação e
delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico aos órgãos e
entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de
trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas
competências:
        I - Instituto do Patrimônio
Histórico e Nacional - IPHAN;
        II - Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;
        III - Secretaria do
Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão;
        IV - Fundação Nacional do
Índio - FUNAI;
        V - Secretaria Executiva do
Conselho de Defesa Nacional;
        VI - Fundação Cultural
Palmares.
        Parágrafo único.  Expirado o
prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á
como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.
       
Art. 9o  Todos os interessados terão o prazo de
noventa dias, após a publicação e notificações a que se refere o
art. 7o, para oferecer contestações ao relatório,
juntando as provas pertinentes.
        Parágrafo único.  Não
havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o
trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos.
        Art. 10.  Quando as terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidirem
em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e
a Secretaria do Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis
para a expedição do título.
        Art. 11.  Quando as terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem
sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de
segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o
INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa
Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas
cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades,
conciliando o interesse do Estado.
        Art. 12.  Em sendo
constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades
dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do
Distrito Federal ou dos Municípios, o INCRA encaminhará os autos
para os entes responsáveis pela titulação.
        Art. 13.  Incidindo nos
territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos
quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade,
prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros
fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel,
objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação,
quando couber.
        § 1o  Para
os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no
imóvel de propriedade particular, operando as publicações
editalícias do art. 7o efeitos de comunicação
prévia.
        § 2o  O
INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com
obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e
legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da
cadeia dominial do imóvel até a sua origem.
        Art. 14.  Verificada a
presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades
dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e
legais para o reassentamento das famílias de agricultores
pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das
benfeitorias de boa-fé, quando couber.
        Art. 15.  Durante o processo
de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos
remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas
em decorrência da titulação das suas terras.
        Art. 16.  Após a expedição
do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural
Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos
remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse
contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade
territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros,
podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem
esta assistência.
        Parágrafo único.  A Fundação
Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria
Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses
dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do
art. 134
da Constituição.
        Art. 17.  A titulação
prevista neste Decreto será reconhecida e registrada mediante
outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se
refere o art. 2o, caput, com obrigatória
inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de
impenhorabilidade.
        Parágrafo único.  As
comunidades serão representadas por suas associações legalmente
constituídas.
        Art. 18.  Os documentos e os
sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de
identificação, devem ser comunicados ao IPHAN.
        Parágrafo único.  A Fundação
Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro
ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do
patrimônio cultural brasileiro.
        Art. 19.  Fica instituído o
Comitê Gestor para elaborar, no prazo de noventa dias, plano de
etnodesenvolvimento, destinado aos remanescentes das comunidades
dos quilombos, integrado por um representante de cada órgão a
seguir indicado:
        I - Casa Civil da
Presidência da República;
        II - Ministérios:
        a) da Justiça;
        b) da Educação;
        c) do Trabalho e
Emprego;
        d) da Saúde;
        e) do Planejamento,
Orçamento e Gestão;
        f) das Comunicações;
        g) da Defesa;
        h) da Integração
Nacional;
        i) da Cultura;
        j) do Meio Ambiente;
        k) do Desenvolvimento
Agrário;
        l) da Assistência
Social;
        m) do Esporte;
        n) da Previdência
Social;
        o) do Turismo;
        p) das Cidades;
        III - do Gabinete do
Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate
à Fome;
        IV - Secretarias Especiais
da Presidência da República:
        a) de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial;
        b) de Aqüicultura e Pesca;
e
        c) dos Direitos Humanos.
        § 1o  O
Comitê Gestor será coordenado pelo representante da Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
        § 2o  Os
representantes do Comitê Gestor serão indicados pelos titulares dos
órgãos referidos nos incisos I a IV e designados pelo Secretário
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
        § 3o  A
participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço
público relevante, não remunerada.
        Art. 20.  Para os fins de
política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos
quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial,
assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados
à realização de suas     atividades produtivas e de
infra-estrutura.
        Art. 21.  As disposições
contidas neste Decreto incidem sobre os procedimentos
administrativos de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em
que se encontrem.
        Parágrafo único.  A Fundação
Cultural Palmares e o INCRA estabelecerão regras de transição para
a transferência dos processos administrativos e judiciais
anteriores à publicação deste Decreto.
        Art. 22.  A expedição do
título e o registro cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-ão
sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da
área.
        Parágrafo único.  O INCRA
realizará o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos
remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários
específicos que respeitem suas características econômicas e
culturais.
        Art. 23.  As despesas
decorrentes da aplicação das disposições contidas neste Decreto
correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei
orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de
movimentação e empenho e de pagamento.
        Art. 24.  Este Decreto entra
em vigor na data de sua publicação.
       Art. 25.  Revoga-se o Decreto no 3.912, de 10 de
setembro de 2001.
        Brasília, 20 de novembro de
2003; 182o da Independência e
115o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Gilberto Gil
Miguel Soldatelli Rossetto
José Dirceu de Oliveira e Silva
Este texto não substitui o
publicado no D.O.U. de 21.11.2003